Andriana Armony — Romancista brasileña-judaica/Brazilian Jewish Novelist –“Judite no País do Futuro/”Judith in the Country of the Future” — de história e amor/of history and love

Adriana Armony

Adriana Armony nasceu no Rio de Janeiro. É escritora, professora do Colégio Pedro II e doutora em Literatura Comparada pela UFRJ, com a tese “Nelson Rodrigues, leitor de Dostoiévski”. Publicou, pela Editora Record, os romances Estranhos no aquário (2012), Judite no país do futuro (2008) e A fome de Nelson (2005),  e organizou, com Tatiana Salem Levy, a coletânea Primos (2010), da qual também participou com um conto. O romance Estranhos no aquário foi contemplado com a Bolsa de Criação Literária da Petrobras.

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Adriana Armony was born in Rio de Janeiro City. She has three novels published by Editora Record: Strangers in the Aquarium (2012), Judith in the Future Land (2008), and Nelson’s Hunger (2005).  In 2010, she received an award in Creative Writing by Petrobras, a Brazilian Company renowned for their support to the Brazilian arts and culture.  Adriana also co-edited Cousins: stories of Jewish and Arab heritage (2010), a collection of fictional short stories by Brazilian writers about their Jewish and Arab background.  Besides her life as a writer (and passionate reader), Adriana teaches Brazilian Literature at Colégio Pedro II, a prestigious State school in Rio de Janeiro.  She has a PhD in Comparative Literature, and is a member of the Centre for Jewish Studies of Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ)

https://adriarmony.wordpress.com/

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Adriana Armony. Judite do país do futuro. Rio de Janeiro: Record, 2008, 195-200 or 2003.

Dois corpos enlaçados, pálios e rígidos. Ele compôs-se solenemente para a morte; calça marrom-escura, camisa marrom-clara, gravata preta. Deitada de lado, envolta num penhoar estampado com ramagens, ela encosta-se no seu ombro, segura carinhosamente as mãos entrelaçadas. Suicídio, não havia dúvida. Mas seria possível?

         No caminho para a casa de Judite, João costumava comprar os jornais vespertinos, que lia enquanto esperava Salomão chegar. Ultimamente longos períodos de silêncio pesavam entre ele e Judite, e o jornal fornecia uma proteção íntima e reconfortante para os dois. João relé as manchetes daquela terça feira, 24 de fevereiro: dois navios nacionais foram bombardeados por submarinos alemães; Stefan Zweig, o escritor de Brasil, país de futuro, matou-se, com sua esposa Lotte, em Petrópolis, onde será sepultado. O nazi-fascismo estava fazendo suas primeiras vítimas no Brasil; mais cedo o mais tarde, a declaração de guerra seria inevitável.

         Apesar de tudo, era difícil entender. Um escritor de sucesso, que conseguira escapar das garras do nazismo, tinha o direito de se matar? Por que ele se suicidara? Por que arrastara a mulher com ele? Era aquilo o verdadeiro amor? “Parece que ele morreu antes dela… foi necessário forçar aquele corpinho para coloca-lo no ataúde… O rosto da mulher estava deformado” –foram as palavras da poeta Gabriela Mistral, que um repórter registrara. E havia detalhes que impressionavam. A mobília era quase indigente: duas camas de solteiro, encostadas uma na outra; dois criados-mudos com abajures baratos, um pão mordiscado, uma caixa de fósforos vazia, uma garrafa de água mineral.

         Uma vez ouvira que é bela a morte voluntária. Que a vida escolhe por nós, más a morte nós somos nós que escolhemos. Em Os irmãos Karamazov, Kirilov se mata para competir com Deus. Lembrou dos versos de Manuel Bandeira: “Muitas palmeiras se suicidaram porque não viviam num píncaro azulado.” João não queria morrer. Ah, se fosse um escritor famoso, si tivesse uma mulher que o amasse… ou se as mulheres o cercassem de mimos, disputassem o seu autógrafo (havia tantas mulheres bonitas), soltassem suas risadinhas excitadas, então seria feliz! Estava sendo fútil, pensou envergonhado, mas não podia evitar que o grito se erguesse dento de ele:  estava vivo! E, para apaziguar sua excitação, forcou-se a pensar nos corpos amarelos e gelados.

         Iria até Petrópolis. Quem sabe se voltaria? Prestaria a última homenagem a Zweig, y depois iria para o Rio. Estava perdendo tempo ali, na barra da saia de uma mulher casada. Coisas graves aconteciam, histórias de amor e morte. Era por acaso um adolescente? Apalpou o bolso, retirou uma folha amarrotada. Há dias levava aquele poema que escrevera pensando em Judite. Escrevera-o como que possuído, depois de ler o Cântico dos Cânticos, e não tinha sequer coragem de relê-lo, quanto mais de mostra-lo a Judite. Como ia partir, já podia fazê-lo. Mas era impossível que ela o lesse na sua presença, de modo que era preciso rabiscar algumas palavras com algumas instruções técnicos para ser cortejada sem se sujar”, pensou, como raiva. Mas também ele não era um cobarde? Temia ou admirava Salomão, o justo? Ou será que era ela dela que tinha.

         Ali estava um restaurante que costumava frequentar. Certamente poderia sentar-se por alguns instantes e escrever, enquanto bebericava alguma coisa. Pegou um guardanapo. “Judite, deixo-te este poema como doce lembrança dos nossos dias.” Era ridículo aquele tom nostálgico. Riscou tudo, escreveu: “Por favor, leia, mas não ria de mim.” Aquela ambiguidade era servil demais. Seria melhor fingir um interesse puramente literário: “Espero que goste deste poema.” Numa súbita inspiração, acrescentou, ressentido: “Junto com Zweig, alguma coisa também morreu entre nós.” Meu Deus, nada tinha acontecido entre eles! Certamente, devia a ser tudo uma fantasia… Rabiscou a última frase e escreveu diretamente no verso do envelope onde enfiara o poema: “Sigo hoje para a casa de parentes em Petrópolis e deixo-lhe este poema como lembrança e tributo ao nosso amor pela Literatura.” Nenhuma acusação, uma ambiguidade viril: o tom estava correto. E, embora fosse improvável que Judite fosse procurá-lo, lá estava a indicação do local onde ele poderia ser encontrado. Si ela quisesse, não seria difícil descobrir onde ficava a casa a dos Ramalho, bastante conhecidos na cidade.

              João bate na porta, ele atendo. Percebe imediatamente que houve algo extraordinário. Ele não deixa espaço para dúvidas.

          — Stefan Zweig se matou!

         –O que você está dizendo! –Judite, com a mão diante da boca.

              –Ele e a mulher fizeram um pacto de morte. Ingeriam veneno e morrerem abraçados. Vão ser enterrados amanhã em Petrópolis.

              –Mas por quê?

              “Ele não tinha direito”, Judite está pensado. “Tantos queriam viver e morreram.” E depois: “Só os mortos não morrerão.”        

–Ninguém sabe.

–Todos aqueles homes e mulheres torturados, veraneando solitários naqueles hotéis… Talvez ele fosse assim. Mesmo não sendo pego pelos nazis, mesmo morando aqui no Brasil, continuou sofrendo.

–Lá em Petrópolis ele podia continuar escrevendo, podia esperar a paz…  Mas até aqui em Brasil!

        — Todo aquele mundo abafado… Ele não podia suportar o calor. A gente vê isso nos livros dele.

         –Esqueci de dizer: mais dois navios brasileiros foram torpedeados

         –Ah, meu Deus, a guerra está chegando perto de nós! Será que agora finalmente vai ficar contra os alemães? Salomão precisa saber disso.

          –Já deve saber, as notícias já devem ter chegado ao armazém. – Faz uma pausa, olha sério para Judite, — Escuta—ele nunca tinha falado nesse tom com ela–, você muitas vezes me criticou porque nunca mostrei nada que tinha escrito. Dessa vez eu trouxe um poema, mas, por favor, só você pode ler. –Ele Ile estende um envelope onde se pode ler algo escrito numa letra miúda e vai recuado até a porta. O seu rosto parece emitir uma luz estranha.

         –Não vai esperar Salomão?

         –Não, hoje não. Estou com pressa.

         Quando a porta se fecha, Judite percorre com o olhar o dorso do envelope: “Sigo hoje a casa de parentes em Petrópolis e deixo-Ihe este poema como lembrança a e tributo ao nosso amor pela Literatura.” Rasga o envelope e lê, de pé, aproveitando que Salomão não chegou e as crianças estão com Dorinha. . .

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Adriana Armony. Judite do país do futuro. [judite in the country of the future.] Rio de Janeiro: Record, 2008, 195-200 or 2003.

Two bodies fit together, pallid, and rigid. He was solemnly positioned for death; dark-brown pants, light-brown shirt, black tie. Lying beside him, wrapped in dressing gown printed with boughs and trees, she reclined on his shoulder, lovingly secure, the hands inter-laced. Suicide, the was no doubt. But could it be possible?

            On the way toward Judite’s house, João customarily bought the evening’s newspapers, that he read as waited for Salomão to arrive. Lately, long periods of silence weighted on him and Judite, and the newspaper furnished a and intimate and comforting protection for the two of them. João reread the headlines of that Tuesday, February 24: two Brazilian ships were bombed by German submarines; Stefan Zweig, the author of Brazil, the Country of the Future, killed himself, with his wife Lotte, in Petrópolis, where they would be buried. The Nazi-fascism was taking its first victims in Brazil; but sooner or later, a declaration of war would be inevitable.

         Despite everything, it was difficult to understand. A successful author, who had been able to escape the claws of Nazism, had the right to kill himself? Why did he commit suicide? Why did he drag his wife with him? Was that true love? “It appears that he died before she did… It was necessary to force that bodice to fit it into the casket… The face of the woman was deformed,”were the words of the poet Gabriela Mistral, that a reporter noted. And there were details that were touching. The furniture was almost indigent: two single beds, set one next to the other; two night tables with cheap lamps, bread that had been partially eaten, an empty box of matches, a bottle of mineral water.

          Once, he had heard that a voluntary death is beautiful. That life chooses for us, but for our death we are the ones who choose. In The Brothers Karamazov, Kirlov kills himself to compete with God. He remembered the verses of Manuel Bandeira: “Many palm trees commit suicide because they don’t live on a sunny hill.” João didn’t want to die. Ah, he would become a famous writer, if he had a woman who loved him… or if the women would surround him with delight, fight over his autograph (there were so many pretty women), let out excited laughter, then he would be happy! He was being shallow, he thought, embarrassed, but he couldn’t keep back a shout that was rising inside of him: he was alive. And to quiet his excitement, he forced himself to think about yellow and frozen bodies.

            All those tortured men and women spending the summer alone in those hotels… Perhaps he was like that. Just like not being caught by the Nazis, just like dying here in Brazil, he continued suffering.

         “There in Petrópolis he could continue writing, he could wait for the peace… But until it is here in Brazil!

         “All that sweltering world…He couldn’t tolerate the heat. People see this in his books.

         “I forgot to say that two Brazilian ships were torpedoed.”

         “Oh, my God, the war is coming close to us! Will it be that here finally they are going to concentrate on the Nazis? Salomao needed to know of this.

He would go to Petrópolis. Who knows if he would return? He would make his last respects to Zweig, and then her would go toward Rio. He was wasting time here, tied to the skirts of a married woman. Serious things happen, stories of life and death. Was he by any chance an adolescent. For days he had been perfecting that poem that he was writing for Judite. He wrote like someone possessed, after reading the Song of Songs, and he hadn’t had the courage to reread it, much less show it to Judite. As he was leaving, he could still do it.

t would be impossible to do so. But it was impossible that she read it in his presence, so that he must scribble some words with some technical instructions that would court her without embarrassing himself, he thought angrily. But wasn’t he a coward as well?  Did he fear or admire Solomão, the just? Or would it be that she was the one who was afraid?

João knocked on the door, he waited. He

  Immediately perceived that something extraordinary was going on. That was without a doubt.

          “Stefan Zweig killed himself!”

          “Oh, what are you saying?”, reacted Judite, with her hand in front of her mouth.

           He and his wife made a death pact. They ingested poison, and they died, embracing each other. They will be buried tomorrow in Petrópolis.

             “But, why?”

             ” He had no right to do it.” Judite was thinking. “So many want to live, and they die. And later: “Only the dead don’t die.”

              “Nobody knows.”

         -You should now, then news ought to have arrived in the mailbox. He pauses, he looked intensely for Judite, Listen. He had never spoken in that tone with hers. Many times, you have criticized me because I never showed anything I had written. This time I found a poem. But, please, only you can read it.” He reached out to her an envelope where someone could read something written in a child’s script, and he walked backwards toward the door. His face seemed to emit a strange light.

         “No, not today. I’m in a hurry.”

       When the door closed, Judite looked the back of the envelope: “I’m leaving today for my relatives house in Petrlis, and I leave you this poem as a memory and tribute to our love of literature.”  She opened the letter and read, standing, taking advantage of the fact that Salomão hadn’t arrived, and the kids were with Dorina…

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